sábado, 2 de julho de 2011

Trainspotting – Sem Limites

Falta de inspiração e assuntos pra tratar aqui!
Mas pra não morrer, vai ai uma reflexão sobre o filme Trainspotting, feito a duas cabeças e quatro mãos por mim e o meu irmão Arthur.



“Lust for life”, tesão pela vida, este é o nome da música tema do segundo filme do diretor Danny Boyle, Trainspotting – Sem Limites, que é uma adaptação do livro homônimo de Irvine Welsh e retrata uma geração e uma época onde as mudanças sociais causavam uma estranheza na juventude. O que aconteceria com a vida depois que as mudanças já haviam acontecido, uma época pós-transformações ocorridas principalmente nos anos 70. Viver já tomava proporções diferentes, o prazer, a liberdade, o tesão pela vida passava a ser uma busca constante e intimista. Foi nas drogas que os protagonistas dessa história encontraram uma forma de viver intensamente o que na vida real eles não achavam muita intensidade. Renegando o que era estabelecido na sociedade como objetivos de vida (escolher um emprego, uma casa,uma família, uma televisão grande). Eles escolheram viver aventuras regadas a drogas, roubos e uma busca por recuperação que era atravessada pela necessidade de continuar usando drogas.
O filme retrata a amizade de jovens dependentes químicos, mas usa uma linguagem realista, sem preconceito em relação ao tema. A Heroína é a preferida do grupo, a sensação de ser melhor que o sexo, causa neles um momento de intensidade de vida, que vive camuflada a cada pico. Existir passa a ser apenas um momento de efeito da droga, nas tentativas de reabilitação a dificuldade de deparar-se com a realidade que a abstinência causa faz com que o protagonista Renton se encontre com ele mesmo, as alucinações, os medos, os fantasmas que perseguem o rapaz, significam um momento de transição na vida dele, onde enfrentar a realidade nem um pouco intensa ou interessante aumenta a necessidade de fuga e a vontade da droga.
Porém, Trainspotting não é um filme que tem a droga como figura central, a história central do filme é a forma como Renton e seus amigos levam a vida, encaram e procuram viver. Em uma Escócia “fodida”, como eles mesmos dizem, a necessidade de tornar as coisas mais interessantes acabam tornando o grupo interessado em buscar prazer em atividades reprimidas pela sociedade. “I chose no to choose life... I chose something else. And the reasons? There are no reasons.” Não haver razões para buscar uma vida dentro das regras ou fora delas, nos faz refletir sobre o porquê temos que viver de certa forma, o que a vida espera de nós quando nem nós mesmos sabemos o que esperar dela. O discurso inicial de Renton deixa marcado quais os motivos que levam o grupo a desenvolver a história da maneia como se seguiu, é uma realidade na juventude, o não saber o que fazer da vida ou como vive-la. Tommy é um exemplo disso, ele passa a usar drogas após ser abandonado pela namorada, sua vida perde o sentido quando ele se separa de uma pessoa, o vazio que a vida tem para esse personagem reflete no que acontece com ele, a morte acaba sendo a solução para uma vida já sem sentido, mas essa é a “solução” de todas as vidas, talvez a maneira como o personagem levou a dele tenha acelerado este processo, mas o final, de qualquer jeito, seria o mesmo. Então a forma de viver acaba sendo uma questão de escolha de como vai passar o tempo até a morte. São essas as questões principais do filme, a não condenação ou a apologia as drogas são questões que podem estar implícitas no filme, se o espectador não entender o verdadeiro caminho que o filme segue, as questões que ele envolve são muito mais existenciais do que meramente junkies. São questões que acabam levando o grupo para o desfecho do filme onde, Renton agora em Londres e recuperado das drogas não nega ajuda aos amigos que continuam levando as mesmas vidas dos tempos da Escócia, assim ele se envolve novamente com a vida que tinha antes, desta vez com uma distância das drogas, mas não com a falta de necessidade de viver intensamente fora dos padrões que já estava vivendo.
Ser um cara mau talvez não fosse a explicação mais apropriada para o final do filme. Roubar dos próprios amigos, trair aqueles que conviveram e compartilharam das mesmas questões existenciais que ele, talvez não tenha sido um ato de maldade, mas uma necessidade de sentir que ainda era possível viver de uma forma inconseqüente ou apenas mais constante do que o normal. Pode ser que tenha sido a última vez, que depois disto ele aceitaria escolher um trabalho, uma família, uma maquina de lavar roupas. Ou talvez ele apenas estava escolhendo uma vida, sem precisar de alguma razão, até quando ele escolhesse mudar de novo as suas escolhas.
Trainspotting – Sem Limites é um filme que envolve o espectador, uma história rápida que mostra a dinâmica de uma geração. Controverso em seu lançamento, o filme, hoje, é merecidamente considerado um dos melhores filmes dos anos 90, não somente pelo lado psicológico/existencial, já tratados, mas também pela surpreendente e inovadora estética e forma de narração não linear que o diretor imprimiu ao trabalho. A estética escolhida para o filme aliada a direção de arte nos mostra um mundo de contrastes desenvolvidos para causar uma reação no publico, as cores aparecem com uma forte presença para definir e diferenciar o certo do errado, a sanidade do delírio. Somado a isto a decisão de Boyle e o roteirista John Hodge em não tomar partido moral sobre os eventos ocorridos no filme (como o próprio Boyle disse em resposta a algumas criticas na época do lançamento: “Não estamos aqui para julgar Renton e seus amigos, estamos aqui apenas para assistir, enquanto suas vidas se reduzem a nada.”) nos jogam novamente dentro das questões existenciais mostrando que a narrativa, assim como o uso da droga não é linear, mas “circular”, no começo do filme Renton não ia a lugar algum, pois sempre retornava as drogas, quando as deixou “de vez”, seguiu em frente. Este aspecto circular esta presente em toda a película, e nos remete ao titulo, pois a gíria escocesa trainspotting significa, segundo Welsh, uma atividade sem sentido, algo que é, aparentemente, uma total perda de tempo (você não chegará a lugar algum retornando sempre ao ponto de partida, então onde esta o sentido?) Estas características, porém, são grandes atributos da obra. Este ótimo filme faz jus ao status que possui e é recomendável para quem gosta de se envolver em um mundo que parece estar distante, mas que trata de um pouco de todos nós.

Um comentário:

Bibi disse...

"você não chegará a lugar algum retornando sempre ao ponto de partida".

Muito bom salamandra. Beijão