terça-feira, 31 de maio de 2011

É o que tem pra hoje

Hoje eu não vim falar de mim, eu quero falar de ti. Sim, tu aí que olha pra mim com esses olhos duros que penetram fundo em um coração confuso. Sem piedade chega transformando tudo o que encontra pela frente, coração, rosto, mente... Esses olhos malignos, que de tão doces me dão medo.
Chega de ser o que mobiliza tantas coisas boas e ruins, hoje eu estou fechando os meus olhos pra ti.
Vem angústia, vem comigo, junta os meus pedaços e me acompanha. Pra ti eu deixo apenas um afago nos cabelos e um beijo na testa. Vai meu bem, não és mais meu.
Vou embora, preciso ser alguém longe desse olhar, não aguento mais ter calafrios quando meus olhos te encontram. Eu estou bem, espero que estejas também e isso é o que tem pra hoje, amanhã eu posso achar alguém!

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Acho que eu poderia ter escrito isso, mas o Caio já escreveu, o momento dele era parecido com o meu, mas os elementos eram diferentes. Crescer assusta, aquele nó na garganta, o medinho de não saber nem o que ou como fazer as coisas. A gente só percebe que tá ficando adulto quando a gente sente muitas coisas e isso as vezes dói, acho que é amadurecimento que tá chegando.


"Amo vocês como quem escreve para uma ficção: sem conseguir dizer nem mostrar isso. O que sobra é o áspero do gesto, a secura da palavra. Por trás disso, há muito amor. Amor louco – todas as pessoas são loucas, inclusive nós; amor encabulado – nós, da fronteira com a Argentina, somos especialmente encabulados. Mas amor de verdade. Perdoem o silêncio, o sono, a rispidez, a solidão. Está ficando tarde, e eu tenho medo de ter desaprendido o jeito. É muito difícil ficar adulto.

Amo vocês, seu filho,
Caio"

terça-feira, 24 de maio de 2011

Hoje fui arrumar meus livros na estante nova, tava uma confusão, até que um deles caiu no chão e ficou lá aberto, meio amassado. Quando fui pega-lo me dei conta de que livro se tratava, "Uivo e outros poemas" do Allen Ginsberg. Um gênio! Mas o que mais mexeu comigo foi o poema da página 63, foi nessa que ele abriu na hora que encontrou o chão, um poema que eu já tinha lido algumas vezes, "Canção".
Bem no dia do aniversário do judeu Dylan, cai quase do céu um poema do Ginsberg, poema que encaixou muito bem pra mim, pelo menos pra mim do dia de hoje!

Canção



O peso do mundo 
é o amor. 
Sob o fardo 
da solidão, 
sob o fardo 
da insatisfação 


o peso 
o peso que carregamos 
é o amor. 


Quem poderia negá-lo? 
Em sonhos 
nos toca 
o corpo, 
em pensamentos 
constrói 
um milagre, 
na imaginação 
aflige-se 
até tornar-se 
humano - 


sai para fora do coração 
ardendo de pureza - 


pois o fardo da vida 
é o amor, 


mas nós carregamos o peso 
cansados 
e assim temos que descansar 
nos braços do amor 
finalmente 
temos que descansar nos braços 
do amor. 


Nenhum descanso 
sem amor, 
nenhum sono 
sem sonhos 
de amor - 
quer esteja eu louco ou frio, 
obcecado por anjos 
ou por máquinas, 
o último desejo 
é o amor 
- não pode ser amargo 
não pode ser negado 
não pode ser contigo 
quando negado: 


o peso é demasiado 
- deve dar-se 
sem nada de volta 
assim como o pensamento 
é dado 
na solidão 
em toda a excelência 
do seu excesso. 


Os corpos quentes 
brilham juntos 
na escuridão, 
a mão se move 
para o centro 
da carne, 
a pele treme 
na felicidade 
e a alma sobe 
feliz até o olho - 


sim, sim, 
é isso que 
eu queria, 
eu sempre quis, 
eu sempre quis 
voltar 
ao corpo 
em que nasci.



domingo, 22 de maio de 2011

Acredito que todos os dias a gente descobre mil coisas novas, hoje eu conheci uma coisa, uma banda, uma música, muitas músicas...
Conheci a "Banda mais bonita da cidade"!
Sim, talvez eu seja uma das poucas pessoas que ainda não tinham tido a emoção de conhecer tal banda. Hoje eu senti, fazia tempo que eu não sentia uma sensação boa, inexplicável como eu me senti hoje, uma música me arrepiou, outra quase me fez chorar e a primeira de todas, não sai mais da minha cabeça.
Meu coração estava precisando se sentir assim, como se alguma coisa fizesse sentido, como se alguém compreendesse o que ele precisa...
No fundo eu sei que ele precisa de mais cuidado, começando por mim, eu preciso cuidar mais dele, pra que ele seja cuidado por outras pessoas. Coitado, assustado, nem consegue se cuidar sozinho.
Vou escutar essas músicas por muito tempo, ficarei torcendo pelo dia que ouvir músicas novas...
Los Hermanos teve que abrir um espacinho, a Banda mais bonita da cidade, me tocou!

coração não é tão simples quanto pensa, cabe até o meu amor, salvem corações, neles cabem o que não cabe na dispensa...

http://www.youtube.com/watch?v=Ad0lGLckrYQ&feature=related

quarta-feira, 18 de maio de 2011

-Oi, só passei pra dizer que ainda sigo com você. Antes que me esqueça eu apareço, meio assim de canto, surjo de dentro de ti, faço parte do que tu é, ouso dizer que eu sou você! Minha intenção é te mostrar que eu existo e preciso toda hora lembrar você disso, tolinho, fica aí se achando super bem, por isso eu apareço. Bota o pé no chão e aprende a conviver comigo.
Agora vai dormir, eu vou ficar aqui, quietinha pra não atrapalhar seu sono, não garanto que consigo, mas posso tentar!

Ass: ANGÚSTIA

terça-feira, 17 de maio de 2011

Rimando sem medo de tentar ser feliz...

Minha cabeça se joga, sem receio, em um mar fervilhante de emoções. Acho que ela nem pensa que essa ação  ataca diretamente meu coração. Pobre coração, que de tão mole, endureceu. Hoje ele não consegue se abrir sem medo do que a cabeça pode aprontar, ele fica na dele sentindo toda pressão das ondas do mar que batem sem dó na minha mente. As vezes a minha mente me mente, tenta me enganar, me confundir, ela força desesperadamente que meu coração se arrebente. Talvez seja o jeito torto que ela encontra de amolecer de novo meu pobre coração abatido, que de tanto levar porrada hoje prefere ficar escondido.
Não sei quanto tempo ainda esse conflito todo vai durar, se dependesse do meu desejo tudo já estaria resolvido, meu coração se abriria sem medo, minha cabeça se jogaria em águas tranqüilas e eu poderia mais calma de um por-do-sol desfrutar.
Ah como seria muito melhor assim, nem eu mesma sentiria tanta dó de mim. Tem dias que nem eu me aguento, fico pensando em sofrimento, lamento, me jogo numa nostalgia sem volta e acabo ligando sem freio, pra quem eu mais tenho receio. Acho que tenho é muito cuidado, desde que resolvi tratar sem planos o que sinto, passei a ter receio de como me mostro, pra que meu coração não tenha mais um troço que me faça quase sumir. Mas meu medo ainda consome muita energia, minha angústia me visita toda semana e essa incerteza sobre o que me espera as vezes me deixa sem ar. 
Acho que me perco um pouco e tento achar um ponto pra me equilibrar, penso estar no caminho certo, mas ainda erro algumas entradas, alguns passarinhos comem as migalhas que deixo marcando por onde eu vim. É até engraçado, desde criança eu sei que jogar pão para marcar o caminho é a pior opção, acho que é uma forma de me manter segura para me jogar atrás do meu destino, uma forma tola de me enganar, no fundo sei que o que foi não tem mais como voltar, só me resta lembrar do que me fez bem, tá do que me fez mal também, é necessário pra viver.
Nesse mar fervilhante de emoções eu já tomei as minhas decisões, escolhi por ser sincera comigo mesma, assumi os riscos dessa sinceridade me fazer mal, mas acho que não poderia ser diferente. Ainda acho que quem manda na gente, como já disse a canção, são as coisas que a gente leva no coração.
Esse texto mal pontuado, toscamente rimado, é uma forma de eu expressar o que fervilha na minha mente. Ah como passam coisas por aqui, quem me conhece bem sabe, sou bicho mais teimoso do que burro quando empaca, mas que tenta ser transparente, afinal aprendeu muito bem que o coração realmente SENTE. 

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Sensibilidade à flor da pele

Para Élvis Herrmann Bonini

Ele chegou meio calado, misterioso, não olhava para os lados, parecia que não queria estar ali. Sentou em uma das mesas intermediárias da classe, tirou o estojo da mochila e organizou todas as canetas em ordem crescente em cima da mesa, o cabelo escuro e um pouco comprido caia sobre os olhos, carregava um sorriso que surgia disfarçadamente no rosto, seus olhos diziam que ele era uma alma que ainda estava se descobrindo.
Com o tempo já era possível observar que ele era um tipo raro de rapaz, carregava uma luz própria, entre tantas faces e facetas ele via a essência de sentimentos, que normalmente as pessoas tentavam esconder. Seu olhar agora mais definido era meigo e forte, um contraste que mostrava que apesar de ainda um pouco perdido ele sabia onde queria chegar, só falta definir os caminhos.
Alguma coisa me chamava a atenção naquele rapaz que sentava nas mesas intermediarias, nunca tinha conversado com ele, mas sempre o observava falando com outras pessoas, ele tinha um papo curioso, interessado no que os outros diziam, parecia ter emoções que borbulhavam dentro do peito, mas que ainda meio sem jeito ele não conseguia lidar com elas. Ele não era uma daquelas almas que vagam perdidas num deserto de almas desertas, de onde às vezes é impossível sair, e eu não o conhecia, mas o observava, de longe era possível notar que ele tinha algo que o diferenciava da maioria, uma sensibilidade que não se podia explicar e que eu queria experimentar, mas não tinha coragem.
Muitos anos se passaram, a minha covardia não me permitiu que nos aproximássemos na juventude, hoje sei que perdi muito tempo por causa disso e se pudesse me arrepender eu faria diferente. Após um tempo sem vê-lo reconheci aquele rosto, agora mais velho por causa do tempo, os cabelos não caiam mais sobre os olhos, o sorriso não era mais tímido, era alegre e marcante. Na primeira vez que eu o vi andando pelos corredores do prédio passei por ele como se fosse apenas mais um vizinho, acenei com a cabeça e ele respondeu com um oi tímido, senti naquele momento que ele me reconheceu ou apenas era simpático. Sempre escutava uma música que vinha dos andares de cima, um som que me fazia relaxar, pensava naquele rapaz, um tipo diferente de rapaz, não sabia por que ele aparecera de novo em minha vida, eu achava estranho o encantamento que eu tinha pelo jeito de ser dele, mas nunca tinha pensado em reencontrá-lo, não depois de tantos anos.
Fiquei dias sem vê-lo, achei que ele pudesse estar apenas visitando algum vizinho meu. Mas os encontros começaram a ser mais freqüentes, até que um dia foi inevitável, ele me reconheceu e perguntou se eu não havia sido colega dele na escola. Respondi que sim, perguntei como ele lembrava de mim, já que nunca havíamos trocado muitas palavras além de comprimentos que aconteciam esporadicamente. Mas ele lembrava de mim, assim como eu lembrava dele, eu tinha certa curiosidade em relação a aquele rapaz, que hoje estava na minha frente, um homem e com as mesmas emoções dos tempos de garoto.
Eu já tinha mudado muito, não tinha mais medo de conversar. Descobrimos que éramos vizinhos, ele morava no apartamento de cima, rimos muito quando começamos a nos conhecer e a relembrar das histórias do colégio, apesar de não termos convivido sabíamos muitas historias em comum. Tornamo-nos grandes amigos, mas eu continuei a observá-lo, a cada dia que passava a nossa convivência aumentava e eu podia ver que aquela essência da juventude tinha se tornado realidade, ele ainda sabia onde queria ir e já havia encontrado os caminhos, minha curiosidade sobre ele também aumentava, eu queria descobrir o que ele tinha de tão especial.
Eu que nunca fui de muitos amigos, encontrei nele uma família, nossa convivência era muito intensa e especial, compartilhávamos dos mesmos gostos. Muitas vezes eu estava em casa, com um copo de vinho e muitos papéis para ler e problemas para resolver, mas largava tudo quando ouvia o som no apartamento de cima, ele sempre colocava discos que me faziam dançar, acho que muitas vezes isso acontecia sem querer, mas nos tínhamos uma ligação, parecia que ele sabia quando eu estava ficando triste ou com muitas coisas para fazer e pensar, a música me ajudava a relaxar, muitas vezes fiquei dançando no meio da sala da minha casa, nunca contava isso pra ninguém, mas ele parecia saber.
Dividíamos também algumas frustrações, o amor era assunto muito presente, mas muito distante. Costumávamos conversar muito sobre assuntos do coração, não sabíamos explicar como as pessoas conseguiam se apaixonar, só sabíamos que paixão e sofrimento andavam juntos, acho que sempre tivemos medo de amar, medo de sofrer, como já aconteceram algumas vezes. Também ficávamos horas falando sobre o mundo, sobre pessoas, um dia toquei no assunto das almas que viviam no deserto de almas e como algumas nunca sairiam de lá, ele riu, mas entendeu o que eu queria dizer. Falava que às vezes é difícil pensar nessas pessoas, em como essas almas acabavam assim, como elas não podiam sentir o que acontecia em volta delas. Foi através de assuntos que nos frustravam e nos agonizavam que eu pude ir descobrindo qual era o mistério que rondava aquela pessoa adorável, perceber que ele também tinha dias ruins, medos e insatisfações que o tornavam o que ele realmente era, uma pessoa, ser humano e como todos os seres humanos ele também tinha coisas mal resolvidas, mas o que mais me intrigava era a visão que ele tinha dessas coisas que o atormentavam. Sempre da mesma forma, seguia com um olhar meigo e forte que mostravam que ele não era uma pessoa comum.
Hoje, ainda tememos o amor, sentimos pelas pessoas que não conseguem enxergar além dos estereótipos, continuamos vizinhos, ainda não falei pra ele sobre a música que me alegra e acalma, muitas descobertas foram feitas, muitos gostos foram refinados, muitas visões sobre arte, política, sociedade, foram moldadas. Ele ainda é parte de mim, assim como eu parte dele. Ah sim, eu ainda não descobri o que nele é tão fascinante, mas tenho dado o nome dessas sensações que eu tenho em relação a ele de: sensibilidade à flor da pele. Tente conviver com uma pessoa assim, especial e intrigante, que poderás sentir o que eu quero dizer.



Ana Ferraz

domingo, 15 de maio de 2011

Quinquilharias do ovo apunhalado


Vai um Caio, não sei porque exatamente escolhi esse texto, mas ele está passeando pela minha cabeça há dias já!

A MARGARIDA ENLATADA

Foi de repente. Nesse de repente, ele ia indo pelo meio do aterro quando viu um canteiro de margaridas. Margarida era um negócio comum: ele via sempre margaridas quando ia para sua indústria, todas as manhãs. Margaridas não o comoviam, porque não o comoviam levezas. Mas exatamente de repente, ele mandou o chofer estacionar e ficou um pouco irritado com a confusão de carros às suas costas. O motorista precisou parar um pouco adiante, e ele teve que caminhar um bom pedaço de asfalto para chegar perto do canteiro. Estavam ali, independentes dele ou de qualquer outra pessoa que gostasse ou não delas: aquelas coisas vagamente redondas, de pétalas compridas e brancas agrupadas em torno dum centro amarelo, granuloso. Margaridas. Apanhou uma e colocou-a no bolso do paletó.
Diga-se em seu favor que, até esse momento, não premeditara absolutamente nada. Levou a margarida no bolso, esqueceu dela, subiu pelo elevador, cumprimentou as secretárias, trancou-se em sua sala. Como todos os dias, tentou fazer todas as coisas que todos os dias fazia. Não conseguiu. Tomou café, acendeu dois cigarros, esqueceu um no cinzeiro do lado direito, outro no cinzeiro do lado esquerdo, acendeu um terceiro, despediu três funcionários e passou uma descompostura na secretária. Foi só ao meio-dia que lembrou da margarida, no bolso do paletó. Estava meio informe e desfolhada, mas era ainda uma margarida. Sem saber exatamente por que, ficou pensando em algumas notícias que havia lido dias antes: o índice de suicídios nos países superdesenvolvidos, o asfalto invadindo as áreas verdes, a solidão, a dor, a poluição, a loucura e aquelas coisas sujas, perigosas e coloridas a que chamavam jovens. De repente, a luz. Brotou. Deu um grito:
—É isso!
Chamou imediatamente um dos redatores para bolar um slogan e esqueceu de almoçar e telefonou para suas plantações e mandou que preparassem a terra para novo plantio e ordenou a um de seus braços-direitos que comprasse todos os pacotes de sementes encontráveis no mercado depois achou melhor importá-las dos mais variados tamanhos cores e feitios depois voltou atrás e achou melhor especializar-se justamente na mais banal de todas aquela vagamente redonda de pétalas brancas e miolo granuloso e conseguiu organizar em poucos minutos toda uma equipe altamente especializada e contratou novos funcionários e demitiu outros e precisou tomar uma bolinha para suportar o tempo todo o tempo todo tinha consciência da importância do jogo exaustou afundou noite adentro sem atender aos telefonemas da mulher ao lado da equipe batalhando não podia perder tempo quase à meia-noite tudo estava resolvido e a campanha seria lançada no dia seguinte não podia perder tempo comprou duas ou três gráficas para imprimir os cartazes e mandou as fábricas de latas acelerar sua produção precisava de milhões de unidades dentro de quinze dias prazo máximo porque não podia perder tempo e tudo pronto voltou pelo meio do aterro as margaridas fantasmagóricas reluzindo em branco entre o verde do aterro a cabeça quase estourando de prazer e a sensação nítida clara definida de não ter perdido tempo. Dormiu.

II

No dia seguinte, acordou mais cedo do que de costume e mandou o chofer rodar pela cidade. Os cartazes. As ruas cheias de cartazes, as pessoas meio espantadas, desceu, misturou-se com o povo, ouviu os comentários, olhou, olhou. Os cartazes. O fundo negro com uma margarida branca, redonda e amarela, destacada, nítida. Na parte inferior, o slogan:

Ponha uma margarida na sua fossa.

Sorriu. Ninguém entendia direito. Dúvidas. Suposições: um filme underground, uma campanha antitóxicos, um livro de denúncia. Ninguém entendia direito. Mas ele e sua equipe sabiam. Os jornais e revistas das duas semanas seguintes traziam textos, fotos, chamadas:

O índice de poluição dos rios é alarmante.
Não entre nessa.
Ponha uma margarida na sua fossa.

Ou

O asfalto ameaça o homem e as flores.
Cuidado.
Use uma margarida na sua fossa.

Ou

A alegria não é difícil.
Fique atento no seu canto.
Basta uma margarida na sua fossa.

Jingles. Programas de televisão. Horário nobre. Ibope. Procura desvairada de margaridas pelas praças e jardins. Não eram encontradas. Tinham desaparecido misteriosamente dos parques, lojas de flores, jardins particulares. Todos queriam margaridas. E não havia margaridas. As fossas aumentaram consideravelmente. O índice de alcoolismo subiu. A procura de drogas também. As chamadas continuavam.

O índice de suicídios no país aumentou em 50%.
Mantenha distância.
Há uma margarida na porta principal.

Contratos. Compositores. Cibernéticos. Informáticos. Escritores. Artistas plásticos. Comunicadores de massa. Cineastas. Rios de dinheiro corriam pelas folhas de pagamento. Ele sorria. Indo ou vindo pelo meio do aterro, mandava o motorista ligar o rádio e ficava ouvindo notícias sobre o surto de margaridite que assolava o país. Todos continuavam sem entender nada. Mas quinze dias depois: a explosão.
As prateleiras dos supermercados amanheceram repletas do novo produto. As pessoas faziam filas na caixa, nas portas, nas ruas. Compravam, compravam. As aulas foram suspensas. As repartições fecharam. O comércio fechou. Apenas os supermercados funcionavam sem parar. Consumiam. Consumavam. O novo produto:
margaridas cuidadosamente acondicionadas em latas, delicadas latas acrílicas. Margaridas gordas, saudáveis, coradas em sua profunda palidez. Mil utilidades: decoração, alimentação, vestuário, erotismo. Sucesso absoluto. Ele sorria. A barriga aumentava. Indo e vindo pelo aterro, mergulhado em verde, manhã e noite — ele sorria. Sociólogos do mundo inteiro vieram examinar de perto o fenômeno. Líderes feministas. Teóricos marxistas. Porcos chauvinistas. Artistas arrivistas. Milionários em férias. A margarida nacional foi aclamada como a melhor do mundo: mais uma vez a Europa se curvou ante o Brasil.
Em seguida começaram as negociações para exportação: a indústria expandiu-se de maneira incrível. Todos queriam trabalhar com margaridas enlatadas. Ele pontificava. Desquitou-se da mulher para ter casos rumorosos com atrizes em evidência. Conferências. Debates. Entrevistas. Tornou-se uma espécie de guru tropical. Comentava-se em rodinhas esotéricas que seus guias seriam remotos mercadores fenícios. Ele havia tornado feliz o seu país. Ele se sentia bom e útil e declarou uma vez na televisão que se julgava um homem realizado por poder dar amor aos outros. Declarou textualmente que o amor era o seu país. Comentou-se que estaria na sexta ou sétima grandeza. Místicos célebres escreviam ensaios onde o chamavam de mutante, iniciado, profeta da Era de Aquarius. Ele sorria. Indo e vindo. Até que um dia, abrindo uma revista, viu o anúncio:

Margarida já era, amizade.
Saca esta transa:
O barato é avenca.

III

Não demorou muito para que tudo desmoronasse. A margarida foi desmoralizada. Tripudiada. Desprestigiada. Não houve grandes problemas. Para ele, pelo menos. Mesmo os empregados, tiveram apenas o trabalho de mudar de firma, passando-se para a concorrente. O quente era a avenca. Ele já havia assegurado o seu futuro — comprara sítios, apartamentos, fazendas, tinha gordos depósitos bancários na Suíça. Arrasou com napalm as plantações deficitárias e precisou liquidar todo o estoque do produto a preços baixíssimos. Como ninguém comprasse, retirou-o de circulação e incinerou-o.
Só depois da incineração total é que lembrou que havia comprado todas as sementes de todas as margaridas. E que margarida era uma flor extinta. Foi no mesmo dia que pegou a mania de caminhar a pé pelo aterro, as mãos cruzadas atrás, rugas na testa. Uma manhã, bem de repente, uma manhã bem cedo, tão de repente quanto aquela outra, divisou um vulto em meio ao verde. O vulto veio se aproximando. Quando chegou bem perto, ele reconheceu sua ex-esposa.
Ele perguntou:
– Procura margaridas?
Ela respondeu:
– Já era.
Ele perguntou:
– Avencas?
Ela respondeu:
– Falou.

terça-feira, 10 de maio de 2011

o caso era de pura angústia, afeto livre, que não conseguia achar uma representação e por isso sofria dias e noites num conflito psíquico intenso que acabava com a sua energia.
não saber o que pode vir de um lado e do outro, não enxergar uma solução rápida pra o que aflige é o pior dos castigos, é como se fosse possível brincar de viver sem vida. 
e a pergunta que ressoa no fundo da alma é: "E se você tivesse só mais uma chance de fazer dar certo, você iria desperdiçar tentando concertar o passado?"
realmente, eu não sei.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Acontece...

não consigo ver o fim
luzes refletindo em vão
em meio a esse verde mato
as nuvens azuladas se movem no horizonte
um ceu laranja em combustão
uma msitura de sentimentos pulam no asfalto



vejo fumaça no céu
minha cabeça girando
na estrada os carros se afastam
e nós, onde estamos?

jamais saberemos o que poderia vir
numa curva chego ao trevo que me leva
pra longe de onde que queria estar
talvez um dia possa descobrir até onde aquela estrada iria chegar

sábado, 7 de maio de 2011

Assim, no meio da noite, quando não tinha mais nada pra fazer ela resolveu pensar. Sabia que esse era um exercício que poderia se tornar perigoso, mas resolveu arriscar. Abriu a janela de leve, só pra tentar ver se a lua estava lá olhando por ela, acendeu um cigarro e encostou-se na janela, virada pra dentro do quarto. Faltavam os pensamentos, nem conseguia perceber que só de pensar em pensar já estava pensando. Analisava os acontecimentos do dia, as emoções que sugavam tudo de bom e de ruim que ela podia ter por dentro, a única certeza era que ela estava confusa, dias e noites, a dentro e a fora sentindo na pele o preço que o amor cobra quando se torna insustentável. A dor de perder, de não ter, de buscar em si foi misturada à alegria de lembrar do que ficou de bom, a vontade de ter perto, a necessidade desesperada de tentar salvar o sentimento que ainda pulsa. Ah, como ela se sentia confusa, a clareza com que via as coisas assustava, o medo estava presente, fazendo parte da angústia que dominava os dias frios do inverno que estava começando. Mais um tragada no cigarro, um espiada na lua, só por garantia que alguém olhava por ela e sentou na cama.
Um sorriso tenso acompanhava os olhos lindos, verdes, que olhavam longe como se buscassem salvação no tempo, como se quisessem chegar no dia que a dor não iria mais incomodar, era uma tentativa de acalmar o que ardia e queimava dentro dela, os sentimentos. Mas ela sabia que esses não tem como enganar, por mais disfarçado que seja a gente sabe que uma hora eles aparecem, devoram, crescem e nos comem, é, comem. Sentimento devora cada pedacinho da gente, consomem a nossa energia, nos movem. E a gente foge, tenta enganar, faz de conta que eles não existem, tranca o coração a sete chaves achando que nunca mais alguém vai conseguir abrir. Um dia alguém consegue, se nós descuidarmos um pouco, alguém abre e esse alguém pode ser a gente mesmo, talvez ela pensasse nessas coisas sem muitas esperanças, eram apenas divagações de uma pessoa cansada de não saber o que esperar.
Deitou-se, a cama cheia de cobertas que pareciam não esquentar, mas o frio estava por dentro, estava nela. Fechou a janela, despediu-se da lua, olhou no relógio três e vinte, madrugada fria, voz calada, latidos ao fundo, cinzeiro cheio, disco parado, muitas cobertas, espaço sobrando, luz faltando. De repente, cai dos olhos uma lágrima, ela já não acreditava que ainda existiam lágrimas. Acomodada no leito, olhando no escuro não via nada, muito menos a sua cara lavada, inchada e vazia, fechou os olhos e decidiu parar de pensar, mesmo sabendo que isso era impossível.
Virou-se na cama por muitos minutos, quase uma hora depois o corpo resolveu dar um tempo, relaxou todos os músculos, abraçou o travesseiro e aconchegada nas muitas cobertas adormeceu. Sua cabeça? Essa não parou de pensar, foram sonhos intensos, como os últimos dias.
Acordou tarde, abriu a janela e viu que a lua não estava mais lá olhando por ela. Pensou que o sol também não poderia olhar por ela, porque naquele dia ele não tinha aparecido. Olhando longe, com um olhar que ultrapassava o teto resolveu viver aquele dia. Pulou da cama, vestiu-se e saiu de casa acompanhada de sua angústia, o seu medo, um casaco grosso e vontade. Vontade de um café forte, um cigarro e viver os dias até quando o tempo resolver que já é o dia de pegar as sete chaves.