sábado, 26 de fevereiro de 2011

Quinquilharias do antigo blog parte II

Mais um texto tosco, inocente e clichê do antigo blog, mas no fundo eu gosto deles.
Esse eu fiz quando tinha 17 anos, acho que eu já era bebada naquela época!



Aquele Bar

Ana Ferraz

Sentei no banco da praça e fiquei ali parada ouvindo o som dos pássaros, era como se eu pudesse fazer o tempo parar e só escutar a canção da natureza cantada por aves que eu costumava matar a pedradas na minha infância nas ruas de terra vermelha lá pras bandas da terra do Getúlio.
Como pôde acabar dessa maneira, um lugar tão feliz que me aconchegava nos dias de dor e nos dias de amor, é complicado achar um outro igual a esse, normalmente eles são arrumados e exigem certa sofisticação que eu nunca consegui ter, não por não saber o que é isso ou por vir de berço humilde, mas, por não querer isso pra mim, por ter feito a escolha de ser assim menos ligada a essas tendências da moda e de etiqueta, pode parecer bobagem, mas a sociedade muitas vezes exige que mulheres tenham uma preocupação excessiva com essas questões, mas eu não era e continuo não sendo.
Naquele dia eu sofria a dor de perder um amigo querido, amigo assim como eu, sem glamour, mas com uma “finesse” que atiçava a curiosidade de muita gente elegante que preferia o irmão rico do meu pobre amigo. Quantas histórias desmoronaram junto com aquele prédio, quantas discussões foram enterradas sob os escombros mofados.Eu sentia a perda de uma segunda casa e acho que é por isso que eu não conseguia escutar o barulho das pessoas que atravessavam a praça com suas pastas e mochilas indo e vindo com pressa que não escutavam nada ao seu redor e muitas vezes nem viam os pássaros a sua frente saindo em revoada para não serem pisoteados por aquelas almas apressadas e desatentas que esperavam apenas cumprir seus horários e chegar em casa para tomar um banho e ver a novela. Mas eu, continuava lá encantada pelo som da praça, o som dos pássaros que era acompanhado com o vento que batia nas árvores e que não deixavam a correria alheia atrapalhar minha dor de perder o meu lugar, o meu bar, a minha casa.
Lembro muito bem de paixões que eu vi nascer naquele bar, amigos que eu fiz, amores passageiros que eu revi e estórias fantásticas que muitas vezes eu pensei em viver, enquanto sentava sozinha na mesa mais ao fundo escutando alguma música que embalava meu pensamento pra longe. Ah como era bom, eu ia a Paris andava pelas ruas geladas da cidade luz com muita roupa e sentava em um café e ficava lá bebendo um bom capuccino e baforando a fumaça amarga de um cigarro barato. Até que um garçom me perguntava o que eu queria beber e eu então percebia que ainda estava no bar, pedia minha cerveja, como uma boa cidadã brasileira, e esperava o tempo passar ou algum amigo pedir pra sentar ali na mesa, enquanto o som embalava as noites que terminavam com a mesa cheia de gente, copos, cinzeiros e muita poesia que me faziam voltar no dia seguinte para continuar um papo que ficou pela metade ou conhecer alguém que veio de um lugar totalmente diferente ou ali do bar da outra esquina procurando novas caras, era assim, quase sempre assim, porque nunca uma noite era igual a outra, sempre haviam novas caras, novos assuntos e novas cervejas porque afinal cada noite era um nova noite uma pagina em branco que não poderia ser escrita com as mesmas história da pagina anterior. Essa magia que ele tinha, a facilidade de juntar pessoas diferentes em harmonia que não permitia que houvesse brigas, apenas ríspidas trocas de teorias e algumas vezes de controvérsias, mas nunca em todos esses anos houveram insultos e muito menos agressões, aquele era um lugar de paz, onde todos entravam em busca de crescimento ou as vezes de casamento. E foram tantos os casamentos que passaram por aquele lugar, uns começaram lá dentro, outros acabaram lá fora, mas foram enterrados em alguma mesa em um grande e gelado copo do bar.
Naquele dia era apenas uma montoeira de tijolos e cimentos que me levavam até aquela praça. Acendi um cigarro e fiquei um tempo olhando os escombros do bar de longe, nem os pássaros eu ouvia mais apenas aquela boa e velha nostalgia que me acompanhava naquela tarde de outono. Uma folha caiu sobre meus ombros, foi como se algo tivesse caído dentro de mim, caído num escuro e profundo vazio, a falta de um pedaço de mim que me fazia rir e chorar, agora eram apenas as lembranças daquele lugar que me acompanhavam na tarde fria de um outono cinza que parecia muito com inverno, inverno que me levava a Nova Iorque, Londres, Coimbra, lugares que eu pensava em visitar em várias noites de solidão na mesa ao fundo do bar da rua da praça.
Lembro-me agora da noite em que conheci Regina, uma moça loira de olhos azuis que ofuscavam a sua beleza, e havia muita beleza, só podia ver os olhos daquela moça quando ela entrou pela porta do bar cantarolando em voz alta para quem quisesse ouvir “Eu bebo sim e vou vivendo, tem gente que não bebe e está morrendo”.
Ela sentou no banco ao lado do meu e pediu fogo, fumava uma cigarrilha que cheirava a cereja e bebia um rum barato que me dava até náuseas de pensar em bebê-lo.
Regina era assim como eu, uma solitária moça de quase trinta anos que tinha desistido do amor e vivia transpirando poesia sem destinatário, mas que tinha uma alma linda e muita sabedoria. Trabalhava em uma repartição pública, mas não odiava o que fazia, não sei como ela não se sentia presa naquela sala lotada de papeis e ácaros, em um prédio cinza e cheio de vazamentos que o governo proporcionava aos seus guerreiros funcionários públicos.
Passei a noite conversando com ela, me parecia uma pessoa feliz, talvez eu tenha pensado que era triste e solitária, que desistiu do amor por não ter ninguém para amá-la, mas não era assim, ela era uma moça alta, loira de olhos azuis, com um belo corpo escondido em um vestido longo e um casaco pesado, mas o que mais chamava a atenção nela não era sua elegância ao se vestir muito menos a figura física de uma bela mulher, mas sim o que ela carregava no fundo de seus olhos azuis, tinha uma ternura no olhar que aconchegava quem estava na mira daqueles olhos, uma sensibilidade que poucas pessoas tinham, parecia que ela conseguia ler as expressões do meu corpo ao falar com ela e simplesmente entendia tudo o que eu deixava subentendido, eu sempre gostei das entrelinhas, e ela entendia isso sem que eu precisasse dizer por inteiro o que passava na minha cabeça, eu me perguntava por que uma pessoa assim optou por ser só, já que enquanto conversávamos sobre artes e política social os homens que rodeavam a nossa mesa, bebendo algum destilado forte demais para uns, que tinham que misturar com gelo ou fraco para aqueles que tomavam tudo num gole só sem água, gelo ou refrigerante para amenizar o amargo gosto que queimava a garganta e esquentava o coração frio e também solitário, daqueles homens que de longe não tiravam os olhos de Regina. Não era por falta de opção que ela estava naquela situação que a levava a ser considerada por suas irmãs a tiazona da família, o mistério que rondava aquela mulher era um imenso conglomerado de paixão que submergia numa vontade de liberdade que não a permitia ser diferente do que era e ela era feliz, simplesmente uma pessoa feliz, por conseguir ser ela mesma em toda solidão que ao contrário do que muitas pessoas acham é maravilhoso sentir-se completo na solidão é estar bem consigo mesmo. Mas nem todas as pessoas que passaram por aquelas mesas estavam felizes ou eram tão lindas por dentro e por fora como Regina, o mofo daquelas paredes tinha uma boa porção de sofrimento e dor de amores mal acabados, perdas irreparáveis e muita mágoa guardada que muitas pessoas entravam ali com a intenção de afogar seus fantasmas em copos de bebidas e em porções de comidas gordurosas, eu mesma já tinha entrado no bar para afogar uma briga de família, pois por mais intimista e solitária que eu possa parecer eu tenho família e como todo clã o meu era carregado de amarguras e sentimentos, mas na maioria das vezes eu afogava minhas frustrações naqueles copos suados e cinzeiros lotados, depois ia para casa e ria, ria muito do papel de moça frustrada que eu me colocava.
Mas não só de tristeza e felicidade vive uma sociedade e posso dizer que em um bar você pode retratar a sociedade em que vivemos, porque o bar é uma entidade social que junta muitas pessoas e assim retrata diversas realidades, por isso aquele bar era incrível, pois não se limitava a apenas uma parcela da sociedade, o simples engloba um todo que o sofisticado limita. Começava a anoitecer e eu continuava na praça, as pessoas já não passavam por ali com tanta freqüência e os pássaros já haviam parado de cantar, mas eu continuava ali sem saber para onde ir, já não tinha um destino certo. Levantei e andei em círculos pela praça, a noite já caia e as estrelas me acompanhavam no frio do outono, que mais parecia inverno, o frio me levava trocar a cerveja gelada por um vinho que me fazia companhia nos dias e noites para esquentar.
Sai da praça fui até uma venda que ainda estava aberta, comprei uma garrafa de vinho e fiquei por um tempo perdida sem saber para onde ir, dei meia-volta e segui em direção a praça, sentei no mesmo banco que tinha passado o fim de tarde, abri a garrafa de vinho vagabundo, acendi um cigarro, fumei demais, bebi demais e sorri demais naquela noite, tinham me tirado meu bar mas eu tinha descoberto a paz que é trocar minha solidão pela companhia das estrelas.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Quinquilharias do antigo blog

Resolvi postar aqui algumas quinquilharias que estão no meu antigo blog Ouse tudo.
Então vou começar com um dos meus textos, lá quando eu tinha uns 17 ou 18 anos, toscos e inocentes textos!



Longe de mim



Longe de mim, acho que o amor passa longe de mim.
Chove, chove, chove muito lá fora, eu posso ver através do vidro os pingos caindo no asfalto cinza e molhado. Na sala a televisão sussurra baixinho, frases que eu não compreendo e o cinzeiro cheio me dá mais vontade de aumentar as garrafas vazias sobre a mesa. Abraçada ao travesseiro eu penso em coisas como: porque a gente arruma a cama para dormir se em segundos estará desarrumada ou porque usamos pijama se ninguém nos vê dormindo. Então lembro que eu não uso pijamas e há tempos nem a cama arrumo. Um clima de nostalgia que se formara desde aquele dia em que tudo acabou e a fumaça do cigarro traz no ar um sentimento de solidão que penetra fundo na minha alma, me faz sentir medo. Nem meus livros me animam mais, aquele disco dos Beatles não me faz cantar e muito menos as antigas fotografias melhoram o meu humor, eu sou uma alma só num mundo deserto de pessoas especiais.

Era agosto, o frio da cidade me dava esperanças de que as coisas iam melhorar, eu amava o frio, era lindo passear no fim de tarde sentindo o vento frio cortar meu rosto enquanto o sol tímido se despedia no horizonte, eu sabia que nos encontraríamos mais tarde, a música rolaria solta, os Beatles embalariam nossos papos interessantíssimos sobre teorias e historias das quais os personagens não éramos nós. Os copos cheios se responsabilizariam pelas gargalhadas exageradas, a fumaça dos cigarros dariam um clima mais aconchegante e a luz baixa nos tornaria mais íntimos, como se precisasse. Éramos como velhos amigos, sentados conversando sobre coisas banais, nos permitíamos um contato físico e sentimental que só se tem entre pessoas com almas diferentes, puro, amoroso e protetor. Tudo era tão sublime e eu tinha a certeza que o amor estava ali presente nos gestos, nas palavras nos olhares que penetravam fundo na alma do outro sem que um sentimento desconfortável de constrangimento tirasse o brilho daquele momento, em que estávamos totalmente entregues um ao outro.
Mas naquele dia daquele mês de agosto algumas coisas haviam mudado. Desde então nossos olhares não se cruzavam mais, os assuntos não fluíam e éramos como estranhos um para o outro, sem explicação lógica para essa mudança de sentimento, apenas a sensação de que as coisas estavam erradas, como se os planetas tivessem saído de órbita ou o sol mudado de lugar, não tinha explicação e não tínhamos idéia de como isso acontecera, mas aconteceu.
Aconteceu naquele mês de agosto. Os encontros começaram a se tornar raros, nem olhávamos mais um para o outro, o disco não tocava mais, o sonho tinha acabado e junto com ele todo aquele sentimento sublime dava lugar a um sentimento cruel que doía, doía fundo numa alma vazia. Bebíamos mais, fumávamos mais, mas não se escutavam gargalhadas e o clima era frio e distante. Até o dia que passei por ele na rua e um pequeno gesto com a mão selou o fim de tudo.

Longe de mim, eu tinha certeza que o amor passava longe de mim.
Os dias eram intermináveis, já era Novembro e eu continuava só, no mesmo apartamento, com a mesma luz baixa, mas o triplo de garrafas sobre a mesa, os maços de cigarro vazios já faziam parte da decoração, meus livros estavam jogados pelo chão, eu tentava lê-los, mas não tinham mais graça, na vitrola os Beatles tinham sido trocados por umas sinfonias tristes de Wagner que me traziam pensamentos diferentes, eram mais ferozes, eu tinha vontade de invadir a Polônia, a Escócia, e Ucrânia, transforma-los em paises livres do sofrimento de sua história, mas na verdade a Polônia, a Escócia, a Ucrânia e principalmente a Rússia, eram eu mesma, fria, enorme e vazia.
Longe de mim, o amor está longe de mim.

Em Janeiro a situação era praticamente a mesma, eu continuava no mesmo lugar, a luz baixa era fraca e as garrafas já ocupavam metade da sala, meus dias eram tristes, eu começava a ter medo, trocara os discos pela televisão, mas os sussurros que saiam dela eram mais vazios do que a minha alma, preferia a companhia dos livros fechados por falta de leitura e os discos jogados pelo chão do que o vazio da televisão. Já havia esquecido a Polônia, a Escócia era apenas uma vaga lembrança, a mais marcante, pois eram de lá os uísques mais saborosos e a minha companhia se resumia neles.
Os meses de verão não eram os meus preferidos, o calor me cansava, preferia o frio de Agosto, que apesar de me trazer lembranças daquele sentimento feliz me trazia esperança de que o próximo agosto seria diferente, mas a realidade me incomodava, saber que ainda era janeiro me fazia pensar nas plantas sedentas e nos animais calorentos que assim como eu queriam água fresca para dar um ânimo para recomeçar, mas era janeiro e a água era quente e eu não achava ânimo para nada.
Longe, ainda mais longe de mim, o amor estava longe de mim.

Chove, ainda chove, os pijamas e as camas desarrumadas tentam disfarçar outros pensamentos, tento me esconder atrás de sussurros televisivos para não encarar a realidade que eu descobri há um ano atrás. Não consigo aceitar, não consigo me livrar, não consigo aprender a conviver com isso. Preciso aprender a viver sem o amor, não é fácil, a vida não é fácil, mas eu ainda tenho esperança, mas preciso me erguer, perdi um ano entre garrafas e cigarros, invadindo a Europa, desarrumando camas, trocando Beatles por Wagner. Um ano, é agosto, chove, eu vejo isso através do vidro, os pingos tocam suavemente o asfalto cinza e molhado, a luz baixa ilumina os livros empoeirados pelo chão, pego o Magical Mystery Bus, os Beatles voltam a tocar, eu me reanimo. Devagar começo a mexer nos livros do chão, tiro a poeira da capa dura e escura, não consigo ver direito o nome do livro, o tempo apagou até isso. Reanimo-me, volto a ler, escutar os discos, vejo que foi um ano perdido, mas não um ano inútil. A culpa de eu estar assim é minha, não do amor. Hoje eu descobri que longe, longe do amor, acho que eu passo longe do amor.


Ana Ferraz

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Quinquilharias nem um pouco psicodélicas

Essas férias tem sido bem produtivas até, mesmo passando o maior tempo delas em Passo Fundo eu acho que tenho conseguido fazer e pensar muitas coisas que eu estava precisando. Acho que a nuvem negra de loucura, angústia e confusão que pairava sobre mim desde outubro acabou e isso me faz muito bem. É só dar uma lida nos textos a baixo que tudo isso está presente, como se eu gritasse pra mim mesma que precisava sair daquilo que estava me fazendo mal, acho que finalmente consegui.
Esses devem ser aqueles momentos que eu falei a muito tempo atrás, as quinquilharias psicológicas, realmente elas vão te sufocando e chega uma hora que tu precisa botar tudo pra fora, fazer uma limpa mesmo. Sei que muita gente que eu conheci nesse tempo nunca mais vai querer chegar muito perto de mim, devem me achar um guria insana, não que eu não seja assim de vez em quando, mas realmente eu extrapolei da loucura nos últimos tempos, uma loucura interna que espirrou um pouco em quem esteve por perto, mas o saldo disso tudo é positivo. Repensando tudo isso eu conclui que realmente eu sou a favor de limpezas internas, não tô dizendo que são fáceis, mas são necessárias. Sentir que as coisas podem ser leves, sem tanta necessidade de acontecerem como a gente imagina é a forma mais tranqüila de viver esses momentos, se esconder na porraloquice pode ser uma saída temporária, mas não resolve muitas coisas.
Por a quinquilharia pra fora é abrir espaço pra poder encher a cabeça e o coração de coisas novas, não adianta querer socar mais coisas onde já tá cheio, a falta de espaço vai fazer com que algumas coisas transbordem e tudo se desorganize. É necessário tempo pra poder organizar e deixar as quinquilharias de uma forma confortável, se não é impossível renovar, renovar-se.
O que um tempo pra cabeça me trouxe de bom?
Tudo isso, além de muitas idéias novas e necessidades novas de viver mais tranqüila, mais sensata, mais de boa como sempre fui, mas sempre com a pitadinha de loucura que me é peculiar.